segunda-feira, 9 de julho de 2007

Olá... xpto

Uma das grandes dúvidas existenciais que atormenta a humanidade é onde colar o post-it com o nome da pessoa que vai dormir connosco e que conhecemos há, sejamos generosos, 5 horas. Post-it? Sim, post-it. Bem, é melhor começar pelo princípio. Todos gostaríamos de evitar aqueles segundos de confusão mental em que espaço e tempo parecem derreter-se num micro-ondas cósmico. Os segundos de pânico que só não nos põem de facto em pânico porque o sono nos impede de reagir em conformidade com o susto interior. Quem é esta pessoa? O que é que aconteceu? O que é que fizemos? Será que estive bem? Ai que medo, não se vê a cara, dorme com a almofada por cima, quando se virar será que vou apanhar o susto da minha vida? Todos gostaríamos de acordar de outra forma, a seguir a uma noite de copos e piropos abundantes e bem sucedidos. Infelizmente existe uma coisa chamada paradoxo da proporcionalidade inversa da alcoolemia. Quanto menos bebermos mais certeza temos de que não vamos conseguir nada, de que somos a pessoa mais desinteressante à face da terra, talvez mesmo do bar onde nos encontramos. Ora, para usar este paradoxo em nosso favor é preciso uma conjugação muito precisa de conta, peso e medida. O equilíbrio facilmente nos escapa. Não queremos beber tanto que achamos que tudo o que dizemos faz imenso sentido e passamos a querer dizer tudo o que nos vem à cabeça, principalmente as coisas mais absurdas, inconvenientes e uncool. É preciso sermos cientistas que fazem do próprio corpo o seu laboratório. É fundamental acertar na dose, no ritmo e principalmente na mistura que administramos a nós próprios. O que por vezes deita tudo a perder é quando o álcool já foi nosso amigo, já estamos rindo e fazendo rir, as mãos já pousaram nos joelhos, já se disseram coisas atrevidas, já se fizeram insinuações, já se falou ao ouvido e, talvez por estarmos deslumbrados com tanta sorte, perdemos o controle. Em vez de dizer interiormente uma prece de agradecimento ao etílico amigo que nos soltou a inspiração e armou de segurança e deixarmos de beber, a companhia que conquistámos faz-nos entrar num carrossel de shot's, de rodadas de whiskey e gin, de cocktails decorados de forma pirosa e enganadoramente doces. Este evitável descalabro geralmente precede um outro, bem pior. E a falta de memória subsequente acaba por ser uma generosa benção. Nós não queremos recordar que tivemos de interromper um beijo para ir a correr para a casa de banho, que saímos novamente a correr para a casa de banho quando nos faltava tirar uma meia e desapertar um botão. Não queremos recordar que nem à terceira vez que desatámos a correr conseguimos chegar a tempo de levantar a tampa da sanita. Não queremos recordar que adormecemos em cima de um parceiro que já estava, por sua vez, a dormir, que fomos empurrados para o lado porque começámos a pesar e a baba que nos escorria da boca fazia impressão no pescoço. Não queremos recordar o sonho que fazia a reciclagem de tudo isto e lhe acrescentava um tom épico e desesperado. Depois da baba, das corridas para a casa de banho e do sonho, acordamos. E cumprimos o ritual habitual de olhar para as peças de roupa como um índio olha um rasto ou um detective analisa uma cena de crime. Empenhamo-nos no esforço de tentar ler na disposição caótica do vestuário o percurso, a sequência de acontecimentos da noite anterior. Depois a dor de cabeça faz-nos desistir e então começamos a concentrar-nos na pessoa que está ainda a dormir, irrita-nos o ressonar, reconhecemos uma marca de dentes. A seguir é o nosso hálito, de dinossauro há muito extinto, que nos leva a pensar que não é possível estar alguém ao nosso lado, que ninguém seria capaz de nos suportar. Mas de seguida a pessoa começa a mostrar que vai acordar e é nessa altura que pensamos, porque é que eu não coloquei aqui mesmo à mão de semear um post-it com o nome, como é que me vou lembrar?

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